Como é possível conciliar as agendas de conservação da biodiversidade com o desenvolvimento econômico e humano na Amazônia?

Desde 2017, a Plataforma Parceiros pela Amazônia (PPA) tem apoiado iniciativas inovadoras em prol do desenvolvimento sustentável e da conservação da biodiversidade da Amazônia Brasileira. Como Plataforma multissetorial de ação coletiva, tem fomentado diálogos e trocas estratégicas entre diferentes parceiros, catalisando transformações necessárias para a melhoria da qualidade de vida das populações que vivem na região.

Entre as diferentes estratégias da PPA, destaca-se o fomento de programas e projetos voltados ao Desenvolvimento Territorial e ao Fortalecimento de Negócios de Impacto Socioambiental positivo na Amazônia. Apesar das especificidades existentes para essas duas linhas de ação, a PPA e os seus parceiros têm identificado muita convergência e sinergia entre elas.

Comunidade Sao Raimundo localizada na RESEX do Medio Jurua em Carauari, Amazonas, Brasil. Na foto as jovens liderancas, Rosangela Cunha de Lima e Quilvilene Figueiredo da Cunha . Setembro 2021. Foto: Bruno Kelly.

Os negócios de impacto têm contribuído significativamente com o fortalecimento das cadeias produtivas e da bioeconomia, apoiando a “manutenção da floresta em pé”, a regeneração da floresta e a mitigação das mudanças climáticas. Já o desenvolvimento do território tem se mostrado fundamental para a conservação da floresta, o fortalecimento da governança territorial, a geração de renda, o fomento a novos iniciativas econômicas e o estabelecimento de trocas comerciais justas que beneficiem as comunidades tradicionais. 

Para ambos os casos, a PPA tem implementado uma metodologia de gestão inovadora e participativa, com uma abordagem estratégica e sistêmica, que permite a alavancagem de recursos, a mitigação de riscos e a conexão e o intercâmbio entre atores estratégicos. Não menos importante, tem tratado com atenção a temática de gênero e a inclusão produtiva de populações historicamente excluídas no território.

A pergunta que fica, afinal, é: de que formas a PPA tem conseguido gerar valor compartilhado para as suas iniciativas e seus parceiros, possibilitando cada vez mais o impacto socioambiental positivo na Amazônia Brasileira?

 

Para aprofundar este tema, contamos com uma entrevista exclusiva com as especialistas em gestão de projetos da PPA – Denyse Mello, que lidera as iniciativas de Desenvolvimento Territorial, e Juliana Simionato, que lidera as iniciativas de Fortalecimento de Negócios de Impacto. Confira abaixo:

PPA: Em termos gerais, como funciona a metodologia de acompanhamento e gestão dos projetos da PPA? Qual é o seu diferencial?

Denyse: A área de gerenciamento de projetos da PPA estabeleceu alguns princípios. Em primeiro lugar, consideramos importante atuar como parceiro estratégico e não como fiscalizador. Isso significa um envolvimento em todas as etapas dos ciclos dos projetos – desde o co-design até a avaliação final. Em segundo, e fundamental, buscamos garantir o aspecto interativo com atores locais (implementadores, parceiros e beneficiários), para que se possa conhecer e entender os diferentes interesses e as motivações de cada um, captando as percepções sobre o contexto local do território e da iniciativa. Assim, entendemos que é possível construir uma gestão participativa e colaborativa das iniciativas, com envolvimento e participação de forma ativa na gestão do projeto junto com implementadores, beneficiários, parceiros locais, co-financiadores, balizando as expectativas, motivações e necessidades e interesse de cada ator envolvido no projeto. Com isso, conseguimos flexibilizar e adaptar as estratégias de gestão a partir da dinâmica de cada iniciativa, pela interação de saberes estratégicos e transversais que contribuem para o desempenho da gestão e do alcance dos resultados desses projetos.

Juliana: Como complemento, adicionaria que conseguimos estabelecer uma metodologia bastante robusta, composta por três etapas: monitoramento, avaliação e aprendizagem. A primeira, o monitoramento, é iniciada com uma oficina de set up, em que são trazidas informações a respeito da nossa metodologia de gestão de projetos da PPA e o que esperamos enquanto entregas dos parceiros implementadores. Eles também recebem, ao longo da implementação, um acompanhamento próximo das atividades realizadas, em encontros periódicos, que podem acontecer em frequência semanal ou mensal, ou fóruns específicos, como os de comunicação. São momentos essenciais para garantir uma boa condução da iniciativa, além de notar e corrigir eventuais problemas que ocorram. Nesta etapa, também é importante destacar que os parceiros realizam uma relatório trimestral das atividades, apresentando evidências e indicadores de resultados alcançados. A etapa seguinte, de avaliação, ocorre anualmente com base nos critérios estabelecidos pela Organização para a Cooperação de Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em parte, se dá a partir da submissão e apresentação dos relatórios finais de cada iniciativa, mas também in loco, com visitas de campo da equipe PPA. Neste momento fazemos uma análise aprofundada, verificando indicadores, metas, desafios e realizando recomendações para a organização parceira. Por fim, a aprendizagem agrega a coleta de lições aprendidas ao longo do acompanhamento e da avaliação para a elaboração de recomendações e disseminação de boas práticas para o ecossistema. 

Avaliação do projeto Programa Território Médio Juruá | Denyse Mello, Gerente de Projetos.

PPA: Juliana, pensando nas especificidades das iniciativas de Fortalecimento de Negócios de Impacto, do seu ponto de vista, como elas têm impulsionado ou contribuído com o Desenvolvimento Territorial da Amazônia?

Juliana: Essas iniciativas acabam contribuindo com o Desenvolvimento Territorial ao promover treinamentos voltados à gestão interna dos negócios, formação de lideranças, gestão financeira e a outras necessidades específicas de organizações de base comunitária ou negócios que valorizam produtos da bioeconomia, por exemplo. Ao mesmo tempo, elas oferecem networking e capital assistido para estruturação e/ou crescimento dessas organizações, contribuindo para a sua sustentabilidade e prosperidade. Ou seja, direta ou indiretamente, acabamos apoiando a conservação da floresta e a melhoria da qualidade de vida de pequenos produtores, populações extrativistas, indígenas, quilombolas, ribeirinhos e outros povos da Amazônia beneficiários deste tipo de empreendimento.

Também é importante considerar, que neste pilar de ação do portfólio da PPA, existem apoios a negócios em diferentes estágios de maturidade (ver mais na ‘Tese de Aceleração da PPA’) e em diferentes pontos das cadeias de valor amazônicas. Isso é muito complementar às ações de Desenvolvimento Territorial.

 

PPA: E para você, Denyse? Pela perspectiva das iniciativas de Desenvolvimento Territorial, os Negócios de Impacto da Amazônia podem contribuir? De que formas?

Denyse: Os projetos de Desenvolvimento Territorial são moldados em uma dinâmica de atuação complexa na gestão territorial, fortalecimento do capital social e na dinamização econômica no território, ou seja, existe articulação entre as dimensões socioculturais, político-institucionais, ambientais e econômicas, na perspectiva de valorizar formas de produção, distribuição e utilização dos ativos de uma região. Assim, geramos riqueza com inclusão social, visando a melhoria da qualidade de vida e bem-estar da população, e apoiamos na conservação e manejo sustentável da biodiversidade, para o desenvolvimento sustentável em um determinado território.

É importante ressaltar que o termo ‘Negócio de Impacto’, no âmbito desses projetos, não é de uso comum. O termo mais adotado é ‘iniciativa econômica’ (associações, cooperativas, grupos informais). Em geral, são iniciativas comunitárias, que apresentam muitas particularidades a depender de cada região que devem ser levadas em consideração na condução de ações para os avanços de impactos positivos na região. Assim, a dimensão econômica é tratada como uma linha de ação estratégica desse tipo de projeto, e não necessariamente o foco central. Nesse sentido, o conjunto de ações sócio-culturais, político-institucionais, ambientais e econômico (a exemplo do fortalecimento de iniciativas econômicas comunitárias), vem contribuindo para impactos positivos  no Desenvolvimento Territorial.

 

PPA: Como se dá a interação entre essas duas categorias do portfólio da PPA?

Denyse: Isso acontece de duas formas: primeiro, por meio de eventos temáticos promovidos pela PPA, em que representantes das iniciativas são convidados(as) a participar como palestrantes ou ouvintes. Além disso, a PPA também prevê intercâmbios entre as iniciativas. Nesse tipo de situação, mediamos diálogos entre dois ou mais parceiros das nossas categorias de portfólio (Desenvolvimento Territorial ou Fortalecimento de Negócios). Nesses espaços, objetivamos compartilhar experiências e aprendizados e, assim, corrigir rotas e somar esforços, nunca sobrepor. A equipe de projeto da PPA tem se colocado no papel de vincular oportunidades e contatos entre estes.

Juliana: É uma característica da PPA vincular oportunidades, fazer pontes e mapear sinergias entre os atores – é assim que exercemos o nosso papel de Plataforma de ação coletiva.

Um exemplo interessante é a Associação dos Produtores Rurais de Carauari (ASPROC), do Amazonas, atuante na cadeia do pirarucu no seu manejo sustentável. Essa associação participa do Programa Território Médio Juruá (PTMJ), apoiado pela PPA, como implementadora de ações estruturantes para esta localidade. Ao mesmo tempo, a ASPROC obteve investimento, treinamentos em gestão financeira e apoio para o fortalecimento das relações comerciais através do programa NESsT Amazônia – Incubadora da Floresta, também apoiado pela Plataforma. Nós realizamos um intercâmbio entre as duas iniciativas e pudemos adequar algumas atividades do projeto, de forma a evitar sobreposições e incluir novas linhas de ação demandadas pelas lideranças locais.

Outro caso relevante foi a participação da Coopaiter, cooperativa indígena que comercializa a castanha da Amazônia e é beneficiária do programa Nossa Floresta Nossa Casa, no programa Aceleradora 100+ da Ambev. Nós mediamos conversas entre as duas iniciativas, para que os dois apoios pudessem ocorrer de forma sinérgica.

Também é importantíssimo observar como o amadurecimento de Negócios de Impacto podem ser relevantes para os projetos de Desenvolvimento Territorial. Este é o caso da Maneje Bem, empreendimento de impacto beneficiária do programa Aceleradora 100+. Após a experiência da aceleração, o negócio teve a oportunidade de contribuir com a iniciativa Aliança Guaraná de Maués, também apoiada pela Ambev. Hoje, ainda, o negócio é beneficiado pelo programa NESsT Amazônia, levando seus serviços à negócios comunitários desse mesmo portfólio.

Encontro de negócios do programa Aceleradora 100 + | Juliana Simionato, Coordenadora de Projetos PPA.

PPA: Como as iniciativas de Fortalecimento de Negócios de Impacto e Desenvolvimento Territorial têm tratado a questão de gênero no portfólio da PPA? Porque, do ponto de vista de vocês, isso tem particular importância para a região Amazônica? Quais são os principais desafios?

Denyse: Nos projetos de Desenvolvimento Territorial é muito importante a abordagem da equidade de gênero, de forma que a participação de mulheres (e, também, de jovens) nas atividades dos projetos é muito considerada pelos indicadores de cada iniciativa. Projetos também possuem atividades específicas para fortalecimento das iniciativas de mulheres, formação de jovens lideranças, na perspectiva de empoderamento econômico e socioambiental desse público. E buscam estabelecer parcerias com organizações que possuem expertise na temática para contribuir na condução dessa abordagem. Enquanto a equipe da PPA orienta para que os projetos adotem este recorte, em todo ciclo do projeto.

Juliana: Às iniciativas de Fortalecimento de Negócios também buscam fortalecer a equidade de gênero dentro das organizações apoiadas. Normalmente é um critério de seleção diferencial que os negócios sejam geridos por mulheres (ou que tenham a presença de mulheres no quadro diretivo). Também desenvolvemos ações estruturantes, como o desenvolvimento de oficinas e apoio na formulação de políticas internas de equidade de gênero. Temos visto a temática ganhar cada vez mais relevância nos programas e a PPA incentiva e apoia a adoção das ações que tenham como objetivo gerar ou aumentar a  renda das mulheres e fortalecer suas habilidades de liderança e gestão. Como comentou a Denyse, os resultados dessas ações são monitorados pela PPA por meio dos indicadores reportados de forma desagregada.

Conciliar as agendas de conservação da biodiversidade com o desenvolvimento econômico e humano representa um dos maiores desafios do século XXI. As linhas de ação adotadas pela Plataforma Parceiros pela Amazônia são um caminho para tal.

Não há soluções fáceis para desafios tão grandes e urgentes, por isso a necessidade de estruturar espaços de colaboração onde a inteligência coletiva, fruto do diálogo e da co-criação, possa servir como base para caminhos duradouros, tanto para a Amazônia quanto para os outros biomas do Brasil e do mundo.

O trabalho da PPA representa um elemento pequeno, porém importante, do caminho a favor de uma ‘Amazônia com qualidade de vida, riqueza de biodiversidade e uso sustentável de seus recursos naturais’. A Plataforma busca catalisar atores chave ao redor de uma agenda comum, criando foco, inspiração e massa crítica para levar adiante a tão necessária transformação.