A iniciativa “Juntos pelo Extrativismo da Borracha Amazônica” já promoveu o aumento da renda de famílias extrativistas e reuniu seringueiros em um encontro para avaliação da safra anterior e planejamento de atuação em 2023.
Entre os dias 7 e 9 de março, aconteceu em Manaus o Primeiro Grande Encontro Estadual do Extrativismo da Borracha. O evento foi realizado no âmbito da iniciativa “Juntos pelo Extrativismo da Borracha Amazônica”, idealizado pela WWF Brasil, Michelin Brasil, Conselho Nacional das Populações Extrativista (CNS) e Memorial Chico Mendes, com atual parceria da PPA, e que tem o objetivo de fortalecer a cadeia de borracha nativa da Amazônia. No encontro, participantes avaliaram o trabalho nesse primeiro ano de implementação da iniciativa e planejaram as atividades para a próxima safra.
As atividades reuniram seringueiros de sete associações com produção na última safra dos municípios amazonenses de Pauini, Canutama, Eirunepé, Manicoré e Itacoatiara. Além desses, também foram convidados extrativistas de outros municípios interessados em ingressar na iniciativa (Apuí, Boca do Acre, Santarém, Tefé). O evento contou com a presença de representantes dos Governos Municipais, do Governo do Estado do AM.
“Juntas, essas instituições têm atuado no Amazonas com foco na reativação da cadeia da borracha no estado. Nosso objetivo é desenvolver uma relação comercial justa, responsável e inclusiva, justamente porque acreditamos no potencial do extrativismo para a conservação da floresta em pé e para a valorização da cultura dos povos e populações tradicionais”, explica Adevaldo Costa, presidente do Memorial Chico Mendes, responsável pela implementação do projeto no território.
Resultados da safra 2022
O primeiro ano da iniciativa já acumula resultados de impacto em comunidades que até então não atuavam mais no extrativismo da borracha. Desde então, essas comunidades puderam retomar a produção e alcançar uma produção de mais 60 toneladas de borracha comercializada na safra 2022.
O projeto nasceu de uma parceria entre a Fundação Michelin e a Rede WWF. A partir do início das atividades da iniciativa, o escritório brasileiro da Michelin se integra a esse processo para a compra da borracha extraída de seringueiras nativas. Aproximadamente 250 famílias de seringueiros trabalharam diretamente na produção, gerando renda para essas famílias em uma transação que movimentou mais de R$ 700.000,00. “São iniciativas como esta, ambientalmente responsáveis, socialmente equilibradas e financeiramente viáveis, que colaboram e nos guiam em direção a um futuro, a cada dia mais, sustentável”, afirma Bruna Mesquita, especialista em Desenvolvimento Sustentável da Michelin.
Para fortalecer as sete associações, a iniciativa conseguiu viabilizar uma porcentagem por quilo de borracha produzida para cada associação, que nessa safra chegou a mais de R$ 100.000,00, além do apoio com suporte jurídico, contábil, logístico e de compras no relacionamento entre associações, seringueiros e organizações privadas.
“A iniciativa gerou renda para as famílias da região e contribuiu de forma positiva para a valorização da floresta como um dos pilares de uma nova economia amazônica baseada no uso e preservação da sociobiodiversidade. Esperamos que esse encontro seja um marco no estado na consolidação da cadeia da borracha”, ressalta Ricardo Mello, Gerente de Conservação do WWF-Brasil. A remuneração diária dessas famílias foi de aproximadamente R$ 70,00. A expectativa é que no próximo ano esse valor chegue a R$ 90,00 com o aumento da produtividade por árvore e investimentos em implementos necessários à produção de borracha.
Em 2023, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID Brasil) e a Plataforma Parceiros pela Amazônia (PPA) também somam esforços como parceiros estratégicos da iniciativa. Além disso, as instituições públicas também têm sido fortemente envolvidas nesse processo, como no apoio para a realização das operações logísticas nas comunidades, regularização fiscal para acesso ao subsídio estadual de R$ 2,00 por cada quilo de borracha produzida e aquisição de kits para extração. Além disso, instituições públicas assumiram o compromisso de participar do encontro em Manaus e recalcular o apoio para a safra de 2023.
Força do Extrativismo
A extração do látex é feita no segundo semestre, na temporada seca. Já a safra da castanha, ao contrário, ocorre no período chuvoso. “Muitos extrativistas não têm noção da importância do que eles fazem ao manter a floresta de pé”, frisa Francisco Leandro do Nascimento Araújo, presidente da ASPAC (Associação dos Produtores Agroextrativistas de Canutama). “Hoje, com essa retomada, a borracha é o produto mais rentável. Tem seringueiro que tira dois salários-mínimos por mês”. O valor é maior do que a renda média dos trabalhadores formais de Canutama, que é de 1,4 salário-mínimo, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“Meu sonho é alavancar a cada dia mais a produção porque a vida dos nossos extrativistas melhorou”, salienta Francisco Leandro. “Com o primeiro adiantamento que receberam da borracha, alguns seringueiros já adquiriram motor rabeta, canoa nova, bote de alumínio e equipamentos eletrônicos que não tinham em casa, como televisão, antena SKY. Eles fazem questão de vir contar na associação. Isso mexe com a autoestima deles e com a minha também porque até os 15 anos eu vivi no seringal. Meu pai, que completou 70 em outubro, era seringueiro. Ele diz que se na época dele a borracha fosse valorizada como agora dava para enricar”.
O processo de produção de borracha natural nativa
A produção da borracha envolve o manejo de seringueiras de ocorrência nativa nas florestas amazônicas. O processo de manipulação e a produção envolvem atividades com baixo impacto ambiental, contendo uma floresta intacta e sem degradação, utilizando apenas de pequenas aberturas de trilha na mata adensada. Uma família normalmente maneja uma área de 400-800 hectares de floresta para a produção média de 700 kg por safra de borracha. Como as atividades extrativistas se intercalam ao longo do ano, o produtor costuma trabalhar (comercialmente) com 3 até 6 cadeias produtivas (concomitantemente com atividades de subsistência), sendo cada uma delas de grande importância para a composição de sua renda. A renda desse produto, somado a outros produtos da sociobiodiversidade em uma mesma área (castanha-do-brasil, pescados, óleos de copaíba entre outros) fornece o meio de vida e renda para milhares de famílias que vivem em Reservas Extrativistas (RESEX) e demais áreas protegidas de uso direto, além de território indígenas e ribeirinhos.
Se a economia local é beneficiada, há possibilidade de redução da pobreza, acesso a serviços básicos e melhoria na qualidade de vida. Com a criação de arranjos financeiros, as associações de produtores passam a ter participação ativa e outras cadeias produtivas também acabam sendo beneficiadas. Além dos impactos sociais, a extração de látex nativo incentiva que a floresta amazônica fique em pé, trazendo valor para a seringueira, o que pode diminuir as pressões de desmatamento que o bioma Amazônia sofre.
Os desafios a serem superados
O devido aproveitamento do potencial da borracha nativa exige a superação de alguns gargalos como a necessidade de técnicas de aprimoramento da qualidade do produto oferecido, modelos de produção que considerem o ciclo natural da borracha, grandes distâncias percorridas para poder comercializar o produto, a fragmentação e demora no receber dos recursos de subvenção, além da necessidade de apoio para a manutenção da regularidade fiscal das organizações de apoio local do produtor. Para superar tais obstáculos e destravar o potencial desta cadeia, novos arranjos produtivos e financeiros entre organizações extrativistas, empresas e governos já estão sendo estabelecidos.
Um dos principais desafios é reverter a tendência de redução no número de seringueiros por causa do êxodo do público mais jovem. Essa diminuição está associada à falta de estímulo junto aos produtores, incluindo o baixo preço pago ao produto, a insegurança de mercado nas safras, ausência de políticas públicas efetivas de melhorias e o baixo uso de tecnologias. Essas questões refletem nas famílias extrativistas, pois geram desmotivação para o envolvimento de novos membros com a atividade, sendo esta muitas vezes encarada pelos familiares como uma atividade ultrapassada.