Apenas 200 quilômetros separam Beruri, município do interior do Amazonas, de Manaus, capital do estado. Mas para chegar ao município onde está a única usina de base comunitária no Brasil com certificado do Ministério da Agricultura para exportar castanhas, é preciso viajar um dia inteiro de barco. A certificação para a Associação dos Agropecuários de Beruri (ASSOAB) chegou há poucos meses e para conquistá-la foi preciso muito trabalho para adequar o beneficiamento ao padrão necessário.
Mas muito trabalho não assusta a presidente da ASSOAB, Sandra Amud, a primeira mulher presidente da associação, que foi reconduzida ao cargo no final do último mês de maio para o terceiro mandato. Uma gestão acolhedora e um olhar feminino cuidadoso são apontados por vários colaboradoras da ASSOAB como responsáveis pelo crescimento da produção e do reconhecimento da instituição.
Atualmente a ASSOB emprega 62 funcionário e beneficia 365 famílias extrativistas cadastradas na região, que fornecem castanha para a usina que já é a segunda empregadora do município, atrás apenas da prefeitura, o que faz muita diferença em uma região em que parcela considerável da população vive com auxílios de programas assistencias do governo federal, como o Bolsa Família.
A presença da ASSOB também tem mudado a relação dos extrativistas com o mercado. Antes, fazer negócios com os atravessadores, também conhecidos como regatons, era a única opção das famílias ribeirinhas. “Já ouvi de vários extrativistas que nunca tinham recebido dinheiro vivo em uma transação, apenas itens essenciais como alimentos e roupas, sempre com preços exorbitantes, em troca da produção”, explica Sandra. Além de pagar um valor mais justo pela castanha, a associação ajuda na logística e oferece treinamento e equipamentos de segurança aos extrativistas.
É o caso de Pedro de Castro, 60 anos. Conhecido como seu Pedro, casado, pai de cinco filhos, ele mora a 20 minutos de barco de Beruri e junto com o filho mais velho cuida com muito zelo de uma castanhal que ocupa uma trilha de 10 km às margens do lago Beruri: “Eu sou um defensor da floresta”, afirma com sorriso orgulhoso ao contar que recentemente expulsou um grupo atrás de madeira perto das terra dele: “Não tem um que mete a mão, não deixo. Não voltaram nem para pegar a canoa”.
FLORESTA EM PÉ
A cadeia produtiva da castanha-do-Brasil é responsável pelo sustento de milhares de família na Amazônia. O desmatamento crescente na região, no entanto, é uma ameaça ao sustento dessas familias e à floresta. Com um tronco que pode chegar a até cinco metros de diâmetro e 60 metros de altura, a castanheira desperta a cobiça dos madeireiros ilegais.
“Hoje a preocupação da ASSOAB é justamente manter a floresta em pé. Por isso compramos castanhas apenas de extrativistas, nunca de atravessadores. Levamos para as comunidades muitas palestras para falarmos sobre a importância da conservação da floresta. Que é mais valioso manter ela em pé do que derrubá-la, para que que o extrativista possa tirar todo o seu sustento dela”, afirma Jaqueline Lima, engenheira florestal e responsável técnica pela ASSOAB.
Essa consciência é disseminada por toda a cadeia produtiva, desde seu Pedro, que coleta o fruto, até dona Maria das Graças, 44 anos, que trabalha na fase final do beneficiamento, na etapa de seleção manual: “Eu converso com meus filhos sobre a natureza. Eu falo que uma árvore traz recursos para muitos anos. Que não pode derrubar a castanheira. Se acabar a floresta o nosso trabalho vai acabar também”, conta dona Maria das Graças, que antes de trabalhar na ASSOAB fazia serviços como empregada doméstica e vendia churrasquinho na rua para sustentar os cinco filhos.
EMPODERAMENTO FEMININO
“A gente tem que ter o dinheiro da gente, senão a gente fica pedindo dinheiro para o marido e ele fica perguntando pra quê que tu quer. É muito chato”. Dar mais condições aos filhos e conquistar a independência financeira foram as razões que levaram dona Maria das Graças a bater à porta da ASSOAB para pedir emprego. Ela começou quebrando castanha e agora trabalha no controle de qualidade final. Nutre profunda admiração e respeito pela presidente da associação, a quem chama de “guerreira”. Atualmente, as mulheres somam 60% da força de trabalho e a tendência é aumentar.
São várias as etapas do beneficiamento da castanha e as mulheres já fazem parte de todas, mesmo as mais pesadas. Segundo Jaqueline, o trabalho delas começa ainda no campo, geralmente na parte da coleta, seleção e lavagem da castanha. Elas chegam a ficar de 10 a 15 dias acampadas no castanhal com toda a família. Em paralelo às atividades extrativistas cuidam dos filhos e da alimentação dos trabalhadores. Já na agroindústria, elas trabalham na área de quebra que requer técnica e também força e, principalmente, no processo de seleção final que vai garantir a qualidade da castanha.
“A nossa presidente nos dá força, coragem e nos motiva para que não nos sintamos menos por sermos mulheres. Aqui na ASSOAB não tem diferença entre o trabalho masculino e o feminino. As atividades que as mulheres desempenham não são menos valiosas, menos importantes que as dos homens. Estamos trabalhando para recrutar ainda mais mulheres para a cadeia produtiva da castanha”, afirma Jaqueline.
A equidade de gênero no mundo do trabalho ainda é um desafio em todo o mundo e tem sido um norteador dos projetos apoiados pela USAID no Brasil. Para Alex Araújo, da USAID, o cuidado com o coletivo tem feito o trabalho das mulheres ser um diferencial em todos os projetos apoiados pela instituição: “O impacto é muito positivo e estamos nos empenhando para incentivar ainda mais a participação das mulheres nos projetos”, afirma Araújo.
PARCERIAS
Para conseguir expandir as atividades e continuar ajudando a proteger 1,2 cerca de um milhão de hectares de florestas nativas, a ASSOAB tem contado com alguns parceiros fundamentais. A entidade faz parte do projeto Cadeias de Valor, implementado pelo Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB). “A USAID acreditou no nosso trabalho e nos ajudou a chegar às comunidades. Essa parceria nos abriu portas e nos resguardou durante a pandemia”, comemora Sandra.
Essa parceria possibilitou, por exemplo, a construção de galpões em algumas comunidades que foram fundamentais para guardar corretamente a castanha durante a pandemia da COVID-19, quando a usina teve que parar as atividades, não podendo continuar com a logística de recolhimento da castanha e o beneficiamento.
“Os resultados que o projeto Cadeias de Valor alcançou são grandes. Regulamentação de legislação, acesso a mercados, a políticas públicas, melhoria de preços praticados para vários produtos da sociobidiversidade, engajamento de muitas comunidades e lideranças. Nossa parceria com a ASSOAB vem desde o Formar Castanha, também financiado pela USAID. Essa parceria é muito valorizada por nós do IEB”, afirma André Tomasi, analista ambiental do IEB.
A NESsT Amazônia – Incubadora da Floresta, parceria estratégica com USAID, Plataforma Parceiros pela Amazônia (PPA), Erol, Cisco Foundation e CLUA, é outra apoiadora da ASSOAB e está ajudando a associação a melhorar seu processo de monitoramento e rastreamento de impactos e equipar a associação para diversificar suas linhas de produtos e alcançar novos mercados. Um grupo de estudantes estrangeiros esteve na usina no mês passado para apresentar estudos de mercados internacionais que podem importar a castanha. Já as obras na usina para extrair o óleo de diversas sementes da Amazônia começam ainda em 2022.